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Solução dos conflitos internos

por Luis Fernando Cipresso de Sousa

Era uma vez… é assim que começavam as estórias que ouvíamos quando crianças. Acredito que todos lembram de si mesmos imaginando os cenários e os personagens dos contos, fábulas e lendas contadas pelos nossos pais, nossos avós ou nossos professores. A história infantil tinha o poder de nos transportar para um lugar mágico onde tudo era possível, inclusive as grandes reviravoltas que aconteciam na vida dos nossos personagens. Essas estórias mostram como conteúdos sérios, valores, frustrações e conflitos são enfrentados e resolvidos por personagens instigantes e mágicos. A respeito desses personagens míticos, que residem no inconsciente coletivo das pessoas, Jung desenvolveu o conceito de arquétipos, e esses arquétipos que estão presentes nessas estórias, mitos e lendas, estão em nosso imaginário desde nossa infância. Inconscientemente utilizamos esses arquétipos para satisfazer nossos desejos e necessidades, também resolver nossos conflitos internos.


Conflitos internos


Os conflitos internos fazem parte de nossa vida e para Freud, os conflitos internos fazem parte da construção do ser, tem suas raízes em nosso inconsciente e se dão através de um desarranjo, uma incompatibilidade de pensamentos e ideias em nossa mente; algo como que uma parte de nós entrando em choque com outra parte de nós, iniciando um processo de autossabotagem. De modo geral, as pessoas experimentam e falam desses conflitos internos como um embate entre a emoção e a razão, e nessa experiência relatam que querem fazer algo mas acabam fazendo outro, daí entendem que essas forças opostas se sobrepõem as suas próprias vontades. Somos movidos por uma série de desejos, muitos sonhos e grandes objetivos, óbvio que tudo isso é muito saudável, porém, são esses os portais de entrada de nossos conflitos, uma vez que em grande parte, tais conflitos nascem pelo desarranjo entre a forma como pensamos e a forma como agimos. É muito comum em nossos consultórios vermos pessoas sofrendo muito com conflitos internos durante grande parte de suas vidas.


Os conflitos podem surgir de algumas maneiras, como abaixo:


• Tiro no pé

Eu sonho com uma carreira, com um futuro, me empenho e me esforço para alcançar esse objetivo, porém no fim eu me saboto por realmente acreditar que não mereço a recompensa. Procuro uma desculpa para dar nome ao meu fracasso. É o nadar e morrer na praia. É o querer emagrecer, mas me empenhar até certo ponto em seguir uma dieta e desistir de uma atividade física apenas porque detesto fazer exercício físico.


• Esforço demasiado

Eu tenho um sonho, um desejo, então no momento em que eu faço um planejamento para conquistá-lo, percebo que pode exigir de mim muita energia, ou muito mais de meu empenho e capacidade. “Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades” disse o Tio Ben para o jovem Peter Parker (Homem-Aranha). Apenas a percepção de que para alcançar grandes resultados eu necessito empreender grandes esforços, pode me deixar completamente sem ação.


• Somatização

Eu gostaria de realizar algo ou expressar algo que sinto ou penso, mas eu me reprimo. Entretanto, ainda que de forma consciente eu deseje agir dessa forma, eu sofro, e minha alma sofrerá. Essa repressão, é na verdade uma grande barragem de sentimentos e emoções não expressas que em algum momento precisará de um escape em nosso próprio corpo, daí a palavra “soma” (corpo). A alma castiga o corpo para poder se curar.


• Bússola quebrada

Eu me envolvo com vários projetos e são apresentadas várias direções a seguir. Entre tantos caminhos, eu tenho que eleger o principal, a prioridade. A sensação é de estar munido de uma bússola quebrada, sem ter qualquer tipo de direção a seguir, então escolho a estagnação, a neutralidade. Sem saber o que eleger como prioridade, escolho a passividade.


• Autodepreciação

Talvez a forma mais dolorosa que o conflito pode aparecer é me auto punir de forma depreciativa, quando eu acho que não sou merecedor dos sonhos, planos e objetivos que idealizei. Quando meus pensamentos chegam a um nível de acidez e toxidade tão alto que eu realmente acredito que sou incapaz e tanto meu emocional quanto meu corpo começam a expressar com olhos baixos, semblante caído, postura inclinada, andares trôpegos, a sensação de não merecimento e derrota.

A nossa incapacidade em lidar com nossos conflitos internos gera em nós um grande sentimento de culpa. E por não encontrarmos uma saída de como reagirmos a essa pressão, nos retroalimentamos com pensamentos negativos e tóxicos. Aumenta ainda mais essa sensação de impotência e passividade. Precisamos então saber como solucionar ou resolver nossos conflitos internos.

Antes de falarmos a respeito das boas práticas e formas positivas de lidar com esses conflitos, gostaria de fazer menção de algo muito negativo, e ao meu ver muito comum, eu falo da manipulação.


A manipulação


A manipulação em si, nasce de um autoengano, que tem como base um sentimento de que precisamos ter coerência entre o que pensamos e como agimos. Fazemos de tudo para não suportar esse sentimento de incoerência interna. Essa negação do conflito desperta em nós uma defesa emocional.

Essa defesa vem através de uma transferência da culpa para o outro. Eu coloco a culpa de eu estar em conflito no outro para que eu possa me sentir aliviado e me livrar da culpa. Esse processo é ainda mais eficaz quando eu me coloco na posição de vítima, e a vitimização entra como um grande potencializador de alivio a minha culpa.


O autoconhecimento


Todo conflito interno deve ser solucionado, resolvido, pois pode ficar incubado no sujeito por anos, causando sofrimento. Sem dúvida alguma, a melhor prática e o começo de tudo, de como vamos solucionar nossos conflitos internos está no autoconhecimento. Quando nos conhecemos sabemos discernir o que é de fato uma verdade ou uma mentira em nossos conflitos. O autoconhecimento nos dá a oportunidade de entendermos como funcionamos em nossas emoções e sentimentos mais básicos e primários, nossos desejos, o que Freud vem chamar de ID; por outro lado identificamos nossos valores, nossas crenças, nossa moral e princípios, o que Freud chama de SUPEREGO. Então no processo de autoconhecimento que pode ser feito através de sessões de psicanálise, o sujeito pode falar de si, e através de sua fala essencialmente, o inconsciente adquire notoriedade e espaço para ser ouvido, porque como disse Freud: “a voz do inconsciente é sutil, mas ela não descansa até ser ouvida”, dessa forma temos a garantia de que através da fala do sujeito se trará a luz o conhecimento e a solução necessária para solucionar esses conflitos internos.


A psicanálise exerce um papel fundamental no autoconhecimento, do fortalecimento e direcionamento do Ego. Analista e o analisando (sujeito) se unem no processo do pensar, no processo de individualização o que para Jung é extremamente significativo, pois para ele, o ser humano só poderá individualizar-se na medida em que o Ego for permitindo que as experiências recebidas se tornem parte da consciência. A psicanálise é indicada para todas pessoas, pois todos temos conflitos internos e um inconsciente pronto para falar e ser ouvido.


A jornada


Solucionar os conflitos internos é como iniciar uma jornada, que pode até ser longa e cheia de obstáculos, mas é necessária e totalmente possível. Nessa jornada seremos capazes de refazer a imagem que temos de nós, do outro e de nosso mundo; podemos ressignificar nosso passado, entendermos porque agimos da forma com que agimos e termos atitudes assertivas, de forma com que tenhamos um bom nível de prazer e satisfação de nossos sonhos, projetos e desejos, sem ferir nossos valores, crenças e princípios. Para ficar mais claro e prático, aqui vão alguns exercícios que podemos fazer para melhor solucionar nossos conflitos internos:


• Identificação do conflito:

É importante saber qual conflito eu tenho. Como o conflito é uma dissociação do que eu faço do que eu penso, tenho que procurar identificar claramente o que fiz de errado, pois se eu o fiz, devo saber como corrigi-lo. Agindo assim, tenho a tendência de trocar a sensação de impotência pela sensação de poder, pois eu de certa forma agora sei como solucionar. Esse exercício pode ter uma pegadinha, pois no intuito de encontrar o que eu fiz de errado, posso acabar me culpando ainda mais, me criticando ainda mais. Obvio que só faz sentido eu tentar encontrar o motivo se for para usá-lo a meu favor, de forma positiva.


• Elimine pensamentos negativos:

É muito importante trabalhar inicialmente os pensamentos negativos que tenho sobre mim. Esse é o momento de eliminarmos pensamentos tóxicos como “eu não mereço”, “eu não consigo”, “eu não sou bom o suficiente”. Essas mentiras que você conta para você com grande frequência tem o poder de se tornar verdade em sua vida.


• Olhe para o que você é bom:

Tenho que procurar em minha vida fatos de sucesso, situações que me senti bem, que podem aumentar minha autoestima e confiança. É muito importante nesse exercício eu me lembrar e me dar conta dos sentimentos que surgem nessas memórias, que com certeza serão agradáveis, boas memórias. Essas memórias e sentimentos me impulsionarão e me capacitarão com coragem e confiança e me energizarão para novas conquistas.


• Busque o equilíbrio entre seu prazer e seus valores:

Com muita frequência os meus desejos exigem de mim algo que meus valores não me autorizam a fazê-los no momento e circunstâncias exigidas. Minha função como alguém que busca equilíbrio em minha vida e tentar ter o máximo de prazer possível sem que meus valores sejam maculados. Se não tenho desejos realizados, ou prazeres satisfeitos, me tornarei alguém triste e deprimido, ao passo que se me entregar a missão de satisfazer a todos os meus desejos e prazeres nos momentos e circunstâncias exigidas serei um bufão hedonista, e dessa forma, alguém infeliz num futuro próximo. Quanto mais me empenhar em equilibrar as partes, mais valor eu vou agregar a essas partes. Eu serei tanto mais feliz se eu der ouvido a ambas as partes e tentar agradar a ambas.

Michael Hall em seu livro The sourcebook of magic nos apresenta uma técnica muito interessante de programação neuro linguística de resolução de conflitos internos baseada numa negociação que fazemos internamente, fazendo um acordo de paz entre as partes conflitantes. A ideia é criar harmonia e equilíbrio entre as duas partes opostas.


  • Identifique as partes: “Qual a sua parte que cria esse comportamento?” e “Que parte cria essa emoção ou pensamento?” É importante ter claramente os papéis definidos desse conflito.

  • Determine o desejo implícito: o que cada uma das partes deseja? E quais os metarresultados de cada um deseja? Aqui, devemos analisar os desejos implícitos, secundários na realização do desejo de cada lado. Um lado pode estar querendo realizações e outro lado querendo estabilidade.

  • Envolva as partes: cheque se cada parte entende e valoriza o papel e a função da outra parte. Ajude cada parte entender as interrupções, seus porquês e conflitos. Essa fase é importante para identificar o “lado bom” da outra parte, e o porque as partes interrompem a forma de agir uma da outra.

  • Determine a intensão positiva: se o segundo passo não identificar os valores positivos de cada uma das partes, então continue perguntando para cada uma das partes “qual função positiva essa parte exerce?” Faça isso com cada parte até observar os valores da cada uma das partes. É importante ter claramente definido o lado positivo de ambas partes e essa busca deve ser feita até que estejamos satisfeitos com nossas descobertas.

  • Negocie um acordo: “você valoriza suas próprias funções o suficiente, então se a outra parte não te interromper mais, você fará o mesmo? Não interrompendo também?” Tem que ter a certeza de ver se ele ou ela (partes) tem um senso interno de “sim” ou “não”. Continue até que tenha certeza de as partes chegaram num acordo. Nesse passo, é crucial que as partes cheguem num acordo de não se interromperem mais, uma vez que conhecem os seus lados bons.

  • Faça um contrato: pergunte a cada parte se ela vai cooperar por um tempo específico. Se as duas partes não estiverem satisfeitas por alguma razão, é sinal de que precisa voltar para a mesa de negociação mais tarde. Se as duas partes não estiverem compromissadas em cooperar por um bom tempo, um longo tempo, pode ser que uma das partes queira negociar mais tarde. Renegocie.

  • Faça um cheque efetivo: “alguma outra parte tem algum papel nesse processo?”, “outra parte interrompe essa parte?” se sim, renegocie.

Essa ferramenta de autoconhecimento é muito importante porque visa valorizar cada uma das partes em suas diferenças afim de que as partes conflitantes possam enfim se harmonizar e terem um final feliz.

 

Bibliografia


LACAN, Jacques. O seminário: livro 8 a transferência. Zahar.

HALL L., Michael; BELNAP Barbara P. The sourcebook of magic. Crow.

FREUD S. O inconsciente. Imago. A interpretação dos sonhos. Imago.

JUNG C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Vozes..


Luis Fernando Cipresso de Sousa

Psicanalista Clínico, Terapeuta Oncológico, Palestrante, Pastor Sênior da Igreja de Cristo - Comunidade Betesda em Americana. Formado em Ciências Econômicas, MBA em Logística Empresarial. Sócio fundador e voluntário do Projeto Caminho Legal, que leva a psicanálise para dentro das escolas estaduais e municipais para alunos de ensino fundamental. Estudioso do comportamento humano. Consultor e Mentor para executivos. Fundador da Impactosol consultoria. Trabalhou mais de 25 anos em empresas multinacionais de grande porte ocupando cargos de gerência, liderança, desenvolvimento de pessoas e planejamento estratégico.


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Roseli Morais
Roseli Morais
Feb 04, 2020

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